quinta-feira, 19 de julho de 2012

Entrevista com Antônio Fagundes.

Onde estiver um tema italiano em novelas ou peças teatrais, Antônio Fagundes está. Se futuramente essa tese não se concretizar, pelo menos, são inegáveis as coincidências que envolveram o ator com temas italianos, direta ou indiretamente, nos últimos anos.
Depois do sucesso do patriarca Mezenga, em "O Rei do Gado", Fagundes volta e meia esbarra em algum personagem com pano de fundo italiano. "Têm algumas coincidências na vida da gente que são muito felizes". E bota felicidade nisso. Durante entrevista exclusiva ao Comunità, Fagundes demonstrou estar em um dos momentos mais férteis de sua carreira.
Seu sucesso está no cinema, no teatro e, inegavelmente, na televisão, onde agora, na pele do fazendeiro Gumercindo, vai ampliando sua legião de fãs. "Esse personagem é muito interessante no sentido de mostrar o aprendizado através do choque cultural. Gumercindo é um personagem extremamente brasileiro...", define o ator.
Afastado dos palcos de teatro há três anos, Fagundes retorna em grande estilo em uma peça do dramaturgo italiano Furio Bordon. Parou? Parou nada. O incansável ator também encontrou um tempinho para soltar a voz em um CD dedicado à obra do compositor João Pacífico.
Comunità Italiana – Primeiro, o patriarca dos Mezenga, em "O Rei do Gado"; depois, um instigante personagem embalado pela melodiosa "Per amore" e, atualmente, o fazendeiro Gumercindo, em "Terra Nostra", e a peça "Últimas Luas", do italiano Furio Bordon. Como você explica tantas coincidências?
Antônio Fagundes – Meu primeiro papel italiano fiz em uma novela de Walter Jorge Daz, "Nina". Inclusive, a Regina Duarte trabalhou comigo, em 1977. E o primeiro italiano a gente nunca esquece: o personagem se chamava Bruno. Depois, fiz um outro personagem de um autor italiano que fez muito sucesso, e foi muito importante para minha carreira. Foi em uma peça do Dario Fo, que ganhou o prêmio Nobel de literatura em 98. Fiz também "Morte acidental de um Anarquista", uma peça bastante importante dele. Fiz o italiano Mezenga do "Rei do Gado" e, atualmente, estou participando dessa novela italiana. Embora o personagem não seja italiano, estou em contato direto com eles. Têm algumas coincidências na vida da gente que são muito felizes. Uma delas estou vivenciando agora. Fazer muita coisa de uma nacionalidade diferente da sua é muito legal. Só tenho coisas boas a lembrar dos meus italianos. Até nas minhas leituras, guardo coisas maravilhosas e, por coincidência, meu filho se chama Bruno, um nome italiano, estuda no "Dante Alighieri", colégio também italiano, de São Paulo.
Comunità - E as coincidências?
Fagundes - Na novela "Por Amor" o personagem não tinha nada a ver com italiano, mas começava em Veneza. Então, são essas pequenas coincidências que sempre me deixaram muito contente, porque a Itália é um país de que gosto muito. A cultura italiana é uma cultura que me atrai e, não bastasse isso, moro em São Paulo, que tem uma tradição cultural bastante grande. Acho que, do Brasil inteiro, é a cidade que mais guarda raízes da cultura italiana
Comunità – O que mais chamou sua atenção durante o contato com as tradições italianas nas gravações de "Terra nostra"?
Fagundes – Esse personagem é muito interessante no sentido de mostrar o aprendizado através do choque cultural. Gumercindo é um personagem extremamente brasileiro, paulista, quatrocentão de uma família tradicional paulista, herdeiro de uma mentalidade escravocrata e é neto e filho de escravocratas. Depois, ele mesmo foi escravocrata e não continuou sendo porque houve a abolição da escravidão. Ele foi criado, nesse universo rígido, conservador e bastante autoritário e entra em contato com imigrantes italianos, que trazem dentro das suas malas uma noção muito grande de liberdade. Vieram em busca de novos horizontes, se aventurar, coisas que os conservadores brasileiros jamais conseguiram fazer. O contato desse personagem com essa realidade é bastante rico. Esse personagem cresce muito a partir daí.
Comunità – Quantas vezes você foi à Itália?
Fagundes – Já fui à Itália umas três ou quatros vezes. Conheci algumas coisas por lá, mas ainda não conheço a Itália como gostaria de conhecer. Gostaria de conhecer mais detidamente. De ir e poder passar dois ou três meses por lá. Normalmente vou em viagens rápidas. A última vez que estive na Itália passei apenas 10 dias, o que acho muito pouco.
Comunità – Da cultura italiana o que mais lhe agrada?
Fagundes - A literatura. A culinária acho maravilhosa. Os vinhos... Tomo vinho italiano direto. Adoro um Brunello etc. Inclusive vi todos os clássicos italianos de cinema. Me interesso muito pela cultura italiana porque não é uma obrigação, é por prazer mesmo.
Comunità – Como está o seu italiano (idioma)?
Fagundes – Não falo nada de italiano, mas engano muito bem, porque se eu tiver de falar com um italiano, ele vai me entender. Como moro muito tempo em São Paulo, acabo pegando a melodia dos italianos e, nas últimas vezes que estive na Itália, falei com meu italiano de mentirinha e consegui me expressar muito bem. Eles me entenderam, então, acho que já peguei o sotaque (risos...).
Comunità – Como está a repercussão da peça "Últimas luas", que está em cartaz desde outubro, em São Paulo?
Fagundes – Fiquei uns três ou quatro anos sem fazer teatro. Estou fazendo essa peça porque é especial. A reação do público tem sido tão extraordinária, isso prova mais uma vez que a cultura italiana tem tudo a ver com a cultura brasileira. Não só de raízes latinas, mas também de sentimentos, de interesses e, até mesmo, de discussão, quer dizer: o tema levantado pelo Furio Bordon. Tenho a impressão de que um autor brasileiro não conseguiria fazer tanto quanto o Furio conseguiu com essa peça junto ao nosso público. É cedo para se falar de uma carreira da peça, mas tenho certeza de que ela será brilhante se depender dessa dimensão .
Comunità – Porque esse jejum de teatro?
Fagundes – Estava com vontade de fazer cinema, e cinema é uma coisa que você só pode fazer se não tiver nenhum compromisso fixo. Fora isso, estava me faltando exatamente um texto da qualidade do texto do Furio Bordon, que me motivasse a enfrentar essa odisséia.
Comunità - Você sempre foi reservado ao se referir à sua família. O assédio de fãs sempre foi complicado?
Fagundes - Existe uma figura legal que é o direito de estar só. Isso faz parte do Código Penal. Acho que deveria se pensar mais nisso, não é? As pessoas têm o direito de estar só, independente de ser famoso ou não. O que reivindico sempre é: nos momentos em que eu quiser ter o direito de usar isso tudo, eu possa.
Comunità – Ser um sex-simbol incomoda até que ponto?
Fagundes – Não é uma coisa pela qual brigo ou tenha exercitado a minha vida toda para atingir ou deixar de atingir. Essa imagem é uma contingência. As pessoas acham isso. Fico ao mesmo tempo muito feliz porque imagino que isso seja uma coisa elogiosa.
Comunità – Como sua família lida com isso?
Fagundes –É uma coisa estranha para mim. Não é uma coisa com a qual convivo porque não alimento isso. Você só convive com as coisas que você constrói ao longo da vida. Digamos que é um apêndice na minha vida e que acontece. É como ser alto, baixo, gordo, magro etc..
Comunità – E como apresentador de Tv... Você gostou da experiência durante o "É proibido colar" apresentado na TV Cultura, no início dos anos 80?
Fagundes – É... (abre um largo sorriso...) esse programa apresentei de 81 a 84. Foi uma experiência maravilhosa, por diversas razões: primeiro, porque era um programa de auditório, e eu nunca tinha participado desse tipo de trabalho. Segundo, porque foi muito vitoriosa, não só porque deu muito ibope. Realmente fez muito sucesso, chegando a dar 16 pontos de ibope. Hoje, as outras emissoras brigam por um ibope desses, e nós conseguimos na TV Cultura.
Era uma gincana cultural para alunos de 1º e 2º graus de escolas estaduais de São Paulo. As pessoas que concorriam apresentavam projetos culturais: peças de teatro, números de dança, canto, artes-plásticas, enfim, várias coisas legais. Era um programa muito interessante e rico culturalmente, que a família toda assistia junto. Era um programa que, embora fosse voltado para o público adolescente, atingia todas as faixas etárias.
Comunità – Os adolescentes te surpreendem?
Fagundes - O adolescente é muito inteligente. Essa geração que vem vindo aí está mais esperta, mais relacionada com o mundo a sua volta. Eram surpreendentes as coisas que saíam naquele programa, às vezes nos pegavam de surpresa, no sentido de repensarmos exatamente essa relação. Não existia nenhuma postura de superioridade da nossa parte, pelo contrário: aprendemos muito com esses jovens. Eles tinham no programa um espaço aberto. Um espaço que a sociedade não costuma oferecer. Hoje, quem faz um pouco disso é o Sérgio Groisman, que faz muito bem, mas é sempre uma ou outra atitude isolada como o próprio "É proibido colar".
Comunità – Você agora está ingressando na música...
Fagundes – Estou lançando um CD com músicas do João Pacífico. Ele é um extraordinário compositor brasileiro, muito conhecido e eternamente desconhecido, ou seja, você é capaz de cantar muitas músicas dele, sem saber que ele era o autor delas. Ele tem mais de 1400 composições. Quase todas já gravadas por cantores muito famosos, mas o crédito da música quase nunca foi dado a ele. Esse disco foi gravado inclusive para ser uma homenagem a João Pacífico. Gravei 12 músicas, algumas delas bastante conhecidas. As pessoas se surpreendem ao saberem o nome do autor.
É uma nova experiência, tanto que não estou nem organizando ou lançando o disco como cantor, porque não sou cantor. Só queria prestar um tributo a João Pacífico que, infelizmente, faleceu depois que o disco ficou pronto. Mas o trabalho está muito bonito e foi feito com muito carinho. Para quem gosta de moda de viola, é um disco bastante agradável de se ouvir. Quem não gosta, tenho certeza que vai ter uma surpresa muito grande ao descobrir que, no fundo, gosta sim. É que não sabia (risos...).
Comunità – Além de "Terra nostra", no cinema você também trabalhou muito em 99. Quantos filmes?
Fagundes – Fiz quatro longas-metragens que ainda não foram lançados. Na verdade, um deles já está em cartaz, em São Paulo. É "O tronco", do João Batista de Andrade. Um filme extraordinário e que foi todo rodado em Goiás. O outro filme, lançado em novembro, é "No coração dos Deuses", de Geraldo Moraes.
Comunità – Sua carreira começou em 1966. Quem mais te influenciou na sua formação artística?
Fagundes – Acho que você vive sendo influenciado. Cada conversa; cada livro que você lê; cada filme que você vê; cada matéria de um jornal; cada viagem que você faz. Enfim, tudo te influencia. A matéria-prima do ator é a observação, então, ele está aberto ao mundo, mas eu tive a felicidade de começar a minha carreira no Teatro de Arena de São Paulo. O italianíssimo Guarnieri (Gianfrancesco Guarnieri) foi um grande amigo; um grande companheiro do meu começo de carreira. Eu tinha 17 para 18 anos quando entrei para o elenco do Teatro de Arena.
O Teatro de Arena, além do interesse político na realidade brasileira, era um espaço diferenciado. O fato de ser pequeno e muito próximo do público criou uma série de atores que buscavam um tipo de interpretação mais verdadeira, mais honesta, mais sincera. Fiz parte desse grupo de pessoas privilegiadas que participaram daquele momento do teatro brasileiro.
Comunità – Qual sua profissão antes de ser ator?
Fagundes - Antes de ser ator? Não tinha nascido ainda (risos...). Comecei a trabalhar em teatro com 11 anos de idade. Não me lembro de ter sido outra coisa (risos...).
Comunità – Sua fascinação por ciências sociais já é famosa. Se você não fosse ator, seria, por exemplo, um antropólogo?
Fagundes – Tem uma série de carreiras que na área das humanas talvez me interessaria. Antropologia seria uma, História seria outra, Filosofia, Letras...
Comunità – Você se considera um homem politizado?
Fagundes – Não sei se sou. Acho que polítizado no Brasil é quem tem raiva; quem é capaz de se revoltar com algumas coisas e ainda tem sangue nas veias.

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